Os Jogos Paralímpicos Recife Open 2024 ocorreram nos dias 10, 11 e 18 de maio, no Ginásio de Esportes Geraldo Magalhães e na pista de atletismo da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Promovido pela Prefeitura do Recife desde 2017, através da Secretaria de Esportes, o evento evoca as práticas esportivas, um elemento recorrente na vida de pessoas com deficiência.
Não há levantamentos sobre a quantidade de paratletas no Recife. Mesmo assim, a presença do esporte é frequente nas comunidades de pessoas com deficiência (PCDs). 10 das 18 PCDs abordadas para esta série de reportagens competem em atividades esportivas.
Características importantes do desporto, como o desenvolvimento do condicionamento físico, exercício da socialização e senso de pertencimento, são ainda mais relevantes para essa comunidade, que muitas vezes sofre com barreiras para acessar esses benefícios de outras maneiras. A partir da viabilização de modalidades específicas para o grupo, a inserção nas competições pode funcionar como uma forma de encontrar-se coletivamente, além de manter-se ativo, sem enfrentar grandes problemas para ocupar esses espaços.
Allesson Albuquerque, de 21 anos, é medalhista de ouro nos Jogos Juvenis da Confederação Brasileira de Desportos de Deficientes (SIC) Visuais (CBDB) na modalidade do Goalball e foi o responsável por recitar o termo de compromisso durante a abertura do evento da Prefeitura do Recife. Ele afirma que as atividades esportivas realizadas em ações como os Jogos Paralímpicos da cidade são fundamentais para a integração do público em geral, não apenas das pessoas com deficiência.
Além desses benefícios, a forte representação do público PCD no esporte também está vinculada com as oportunidades financeiras garantidas pela participação em competições, já que essa área é uma das únicas que abre espaço para um grupo que tem dificuldade de entrar no mercado de trabalho. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua de 2022 apontam que, das 17,5 milhões de pessoas com deficiência no Brasil em idade de trabalhar, 12,4 milhões estão fora da força de trabalho. Até mesmo aquelas que conseguem concluir o ensino superior estão mais de 29% abaixo do nível de ocupação das pessoas sem deficiência no mesmo contexto. Com oportunidades de emprego escassas, a participação esportiva é vista por muitas PCDs como uma das únicas maneiras de conquistar independência financeira.
Cadeiras Vazias, Corações Cheios
Os Jogos Paralímpicos do Recife representam como funciona viver como pessoa com deficiência na cidade. Houve, sim, preocupação do evento em garantir acessibilidade e autonomia das pessoas com deficiência, mas a adaptação era a razoável para as áreas em questão. Enquanto o popular Geraldão estava mais propício à competição, o espaço da Pista de Atletismo da UFPE tinha apenas um caminho estreito para locomoção até a quadra em que ocorreram as premiações do dia 18 de maio. Em um espaço marcado por locais não calçados, as áreas fora do trajeto marcado estavam enlameadas, após chuvas no dia anterior.



Ao longo dos três dias de competição, foi possível perceber o senso de comunidade entre as pessoas com deficiência, ao mesmo tempo que mostrava o quanto o evento parecia nichado.
Com baixa promoção do evento por parte da Prefeitura do Recife, a imprensa da cidade também falou pouco sobre a realização dos jogos, com apenas uma publicação da Folha de Pernambuco e do site da TV Jornal com informações básicas sobre o assunto. Sem divulgação, os paratletas que iriam competir lamentavam o baixo interesse da imprensa e da população. “A gente vai ter os Jogos Paralímpicos do Recife. Quase ninguém sabe. Não saiu em jornal, não saiu na televisão, não saiu em nada”, reclama o paratleta Douglas Pena.
Sem conhecimento do público, compareceram à cerimônia de abertura dos jogos apenas os competidores e cerca de duas turmas da rede municipal de ensino. O próprio prefeito da cidade, João Campos (PSB), não participou ou postou sobre as competições, que trouxeram PCDs de diversas cidades e estados do país.
Pela falta de presença em outras localidades, desde 2019 a Prefeitura do Recife abre os jogos para que pessoas com deficiência de diferentes municípios e estados possam participar. Dentre as equipes ganhadoras, existiam membros de:
- Sergipe;
- Alagoas;
- Paraíba;
- Rio Grande do Norte;
- Cidades de Petrolina, Caruaru e Jaboatão dos Guararapes.
A grande quantidade de atletas não-recifenses demonstra a notoriedade do evento para as comunidades PCDs fora da capital pernambucana, mesmo que tal valorização não seja dada por pessoas sem deficiência do Recife.
A baixa participação do restante da sociedade se assemelha a uma noção do que Romeu Kazumi Sassaki, principal teórico sobre inclusão social do país, afirmava ser a de integração social. Havia um espaço para pessoas com deficiência no evento, mas a interação não ocorria com os demais cidadãos, em uma noção segregadora. As pessoas sem deficiência que compareceram eram familiares e treinadores dos paratletas competidores. A ideia de inclusão social prevê que pessoas com deficiência interajam com o restante da sociedade em igualdade de oportunidades, o que não ocorreu no local.
Tal contexto também demonstra na prática o que seriam as barreiras sociais vividas por pessoas com deficiência. Em espaços no qual a acessibilidade era uma preocupação, onde estava o restante dos recifenses? Se o esporte une gerações e grupos distintos, falta a visão de que eventos com PCDs como protagonistas também devem conter outros personagens.
Diante dos desafios enfrentados pelos paratletas, tanto na falta de visibilidade quanto no escasso apoio financeiro, os Jogos Paralímpicos do Recife 2024 revelam um cenário maior que a arena de competições. As vitórias ali alcançadas, por mais extraordinárias que sejam, muitas vezes não têm eco na sociedade. Como um microcosmo da vivência diária das pessoas com deficiência, o evento expõe uma realidade onde a luta por reconhecimento e inclusão vai muito além das medalhas, mas poucos veem.